O STF e Marcha da Maconha

Queria ter tratado desse delicado assunto desde que surgiu pela primeira vez, mas a oportunidade não surgia. Agora achei oportuna essa manifestação depois da feliz decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil em sintonia com a realidade brasileira, reconhecendo que a “Marcha da Maconha” não é apologia, mas exercício da liberdade de expressão garantida pela Constituição do Brasil. Uma decisão com argumentos bem “baseados”.
Todas as conquistas sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade foram objeto de grandes mobilizações, de muitas lutas para vencer a leitura policial, conservadora, hipócrita e promover as mudanças que a realidade impunha para as normas que regulam as relações sociais. Não muitos anos atrás, meados do século XX, a sociedade enxergava ilegal o adultério, não aceitava o divórcio, crianças fora do casamento carimbadas de “bastardas”, mulher sem direito a voto, trabalhador sem salário mínimo, direito a férias, organização em sindicatos e toda uma sorte de valores e comportamentos que sofreram, e ainda sofrem, mudanças. As transformações nas normas que regulam as relações sociais, econômicas, políticas e culturais são indubitavelmente inevitáveis e a medida da vitalidade do tecido social. A entropia desse sistema é sempre “positiva” e para melhor compreensão comparável a um gás que não poderia experimentar compressão espontânea, mas apenas expansão espontânea.
A marcha da maconha pela descriminalização e uso desta para recreação ou medicinal coloca esta questão para a discussão na sociedade. Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente, recentemente produziu um filme onde discute a descriminalização das drogas e afirma “este é um tema a ser levado para todas as famílias, pois é muito mais próximo do que parece. A gente tem de sacudir a sociedade”.
A compreensão que tenho é que o Estado não pode, não deve legislar sobre o que o cidadão FAZ com o próprio corpo, ou seja, com o que “come”, “bebe”, “fuma”, “cheira”, “injeta” e mutila. É tentativa estéril e geradora de muitos sofrimentos. O Estado deve legislar sobre os ATOS do Cidadão e, neste sentido, oferecer Educação (malefícios de drogas), Saúde (terapias) e Justiça (rápida, justa). A política de repressão, a leitura somente policial para a questão de todas as drogas, é escoadouro dos parcos recursos econômicos da sociedade e responderia em grande parte pela presente violência e facilitador da corrupção de agentes públicos.
O perfil conservador e, para muitos valores e comportamentos, hipócrita, da sociedade se manifestaria no peso que representaria o exercício da liberdade e da necessidade da construção de normas que supostamente corroborariam para defender e alcançar a virtude, quando na realidade apenas reforçaria vícios. Poetas como Neruda, Pessoa, Borges, outros tantos e muitas Pessoas “comuns” que fazem a “pequena grande história da humanidade” percebem e retratam no cotidiano a importância da vida vivida intensamente, do exercício e dimensão da liberdade e outros talvez tenham esta descoberta apenas ao fim da vida, ou projetam isto para o futuro, isto é, quando não se estaria mais vivo.
Enfim, surpreendente e feliz decisão essa do STF de reconhecer o direito da Marcha da Maconha. Caberia à sociedade levar adiante essa importante discussão, pois não é possível sustentar a “leitura policial” que compreenderia apenas a repressão.
(Enquanto escrevia este texto ouvia no rádio que o ex-jogador Edmundo tinha sido preso depois de 12 anos de acidente com carro que dirigia alcoolizado e matou tres cidadãos. A mão do Estado, pesada, rápida, eficiente deveria estar presente, mas não tantos anos depois, como na maioria dos casos semelhantes. A Cidadania - feixe de Direitos e Deveres sociais, políticos, econômicos e culturais - da Pessoa precisaria estar em processo de crescente fortalecimento na consciência do cidadão para agir na direção do permanente afastamento deste da esfera animal. É aqui que o Estado precisaria estar presente: Educação e Justiça).

Comentários

  1. é o fim. depois disso é só o pt continuar governo.

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  2. Tomara que seja mesmo o fim: a primavera árabe despertou a consciência das mulheres de se lutar pela liberdade: trabalhar sem a autorização do marido, ou de algum homem da família; de votar; de dirigir automóvel; enfim de ser cidadã. Onde vamos vamos chegar com tudo isso? A um mundo melhor? Como diria o FHC, "assim não dá, assim não pode..."

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